Nesta segunda parte, quero compartilhar o ponto de vista de uma mulher amazônica sobre a nossa relação com o mercado de trabalho nos últimos 20 anos, com foco na situação do estado do Amazonas.
Recentemente, participei de uma palestra na Universidade do Estado do Amazonas (UEA) ministrada pelo Dr. Samuel Ranan, engenheiro e especialista em macroeconomia, empresário e administrador de empresas e finanças. Os espectadores desse dia incluíam alguns professores, algumas autoridades notórias com mais de 5 décadas de idade e alguns poucos jornalistas. Não me recordo de algum pesquisador presente, mas minha insatisfação foi não ver sequer um estudante universitário, nem mesmo da UEA, possível anfitriã. Fiquei me questionando: atualmente, no estado, foram inaugurados tantos restaurantes populares com o valor da refeição a R$ 1,00 (fruto da iniciativa privada e governo). Hoje, temos mais pessoas recebendo auxílios sociais do que pessoas empregadas. Vivenciamos uma onda de violência incontrolável, com números crescentes de pessoas em situação de rua. Somente este ano, já foram registrados mais de 4.691 casos de violência contra as mulheres, a maioria na faixa etária de 10 a 14 anos de idade. Nossas crianças nunca estiveram tão vulneráveis, e sobre a COVID, também não há necessidade de lembrar o que passamos neste momento. Logo me questionei: será que sou a única inquieta aqui? Acabei declarando também a minha culpa para os presentes, justamente pelas escolhas que fazemos nas pessoas em quem confiamos para nos representarem, seja no parlamento ou no executivo.
Cito esse contexto justamente porque o tema abordado foi referente às perdas de expressão socioeconômica que o Amazonas vem sofrendo nas últimas duas décadas, acarretando um processo silencioso e de consequências desastrosas para a população. E é justamente nesse contexto envolvendo a questão econômica e o total descaso com a questão social que estamos em constante crescimento de uma sociedade mais empobrecida, tornando as mulheres suas maiores vítimas. Colocando-as no centro da famigerada vulnerabilidade social e econômica, visto que ainda somos a maioria fora do mercado de trabalho, a maioria na provisão do lar, a maioria mães solteiras, a maioria que recebe benefícios sociais e as maiores vítimas de violência. Além disso, enfrentamos baixa escolaridade e desqualificação profissional persistente, que acometem principalmente as mulheres negras e as indígenas.
No Amazonas, o baixo nível de escolaridade ainda é uma triste realidade. Um estudo do Bradesco (Monitor Regional-DEPEC), publicado em 2022 e tendo como fonte a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), declara que 37,4% da população do Estado não possui instrução alguma ou possui apenas o ensino fundamental incompleto. De acordo com o mesmo levantamento, apenas 14,8% da população concluiu o curso superior. As mulheres são a maioria com formação superior, mas ao chegarem ao mercado de trabalho, ganham cerca de 20% a menos que os homens.
Esses dados são preocupantes e alarmantes, uma vez que a situação econômica favorece o empobrecimento da população, o desemprego em massa e o aumento da violência urbana. Nesse cenário promissor, mais uma vez, as maiores vítimas serão as mulheres.
Para mudar este quadro de decadência econômica e social, onde as mulheres são as maiores vítimas, primeiro é preciso reagir e cobrar para que efetivamente o objetivo do Estado do Amazonas, que conta com um grande potencial de geração de emprego, seja o desenvolvimento regional e o bem-estar econômico e social de seus habitantes, tendo em vista nossas riquezas e o diferencial que temos em relação à Zona Franca de Manaus (cuja permanência e defesa são necessárias). Além da Zona Franca, é necessário investir na formação superior e na qualidade técnica de acordo com faixas etárias e potencialidades e realidades regionais. É crucial vislumbrar e tornar palpável uma nova matriz socioeconômica-ambiental, com ênfase nas riquezas naturais que possuímos, mantendo a floresta em pé. Também é necessário um maior investimento na economia criativa, uma vez que as maiores participantes são as mulheres, além de fomento, acesso e um acompanhamento viável e desburocratizado de linhas de créditos para as microempreendedoras. Há ainda outros setores da economia que, ao meu ver, não são explorados a contento, tais como o turismo e a nossa cultura regional, que nada têm a ver com a realização de eventos “business”, mas sim valorizá-la dentro e fora do país, explorando todas as suas potencialidades de maneira ambientalmente sustentável e gerando oportunidades e respeito para aqueles que lutam por dignidade.
Por fim, como mulheres fortes e destemidas que somos, carregamos fortemente o sentimento de liberdade da nossa gente e da nossa terra, e sabemos que é possível SIM vivermos em um estado que não seja pautado em gestões improvisadas e que não busquem combater desperdícios, que não possuam planos de metas e ações amplamente discutidos com a sociedade civil. É necessária uma reação urgente, pois é impossível acreditar que residimos em um lugar com riquezas naturais inimagináveis e potencialidades incalculáveis, e termos 51,42% da população vivendo na pobreza, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Isso faz da nossa terra o segundo estado com o maior percentual de população mais pobre do país, atrás apenas do estado do Maranhão. E a nossa capital, Manaus, o município com o maior Produto Interno Bruto (PIB) per capita entre os 62 municípios, tem 41,8% da população em situação de pobreza. Isso é uma conta que não fecha e certamente não fecha para nós, mulheres.
Faço questão de lembrar aos homens que trabalham neste estado para que olhem ao seu redor e para as grandes “construções” em andamento sob a sua responsabilidade. Sempre haverá uma grande mulher ao lado, ou várias delas, pois serão as mãos que misturarão o cimento, a areia, o seixo, a água e acrescentarão um punhado de amor, marca registrada de cada uma delas na execução do traço perfeito.
Concluo lembrando a todas a importância de continuarmos a nossa luta. Não podemos parar, e é imprescindível que estejamos unidas. Afinal, todas as vitórias que alcançamos hoje são fruto da união e coragem das mulheres que nos antecederam e que ocuparam espaços onde nem sequer poderiam sonhar em estar.
Devemos continuar lutando e trabalhando juntas!
Girlândia Silva Batista
Engenheira, especialista em Gestão Pública e Ativista.