É no primeiro contato com o método positivista que nos é dito que sujeito e objeto devem manter distância, a fim de não comprometer o resultado do estudo e da ação com a preponderância da subjetividade.
O problema dessa epistemologia da ordem é que ela coisifica tudo, inclusive o ser humano, ao transformar um em sujeito e outro em objeto. Isto teve dura repercussão nas relações sociais e na vida das pessoas. Mais, ainda: deu um nó epistemológico nas ciências humanas e sociais, onde a relação é sujeito-sujeito.
Nas relações humanas o outro deixou de ser sujeito também, sob o olhar de qualquer outro sujeito. Ele, o outro, existe apenas como objeto do meu olhar e das minhas projeções.
Nas relações sociais, raças, grupos tribais e étnicos, estratos sociais oprimidos padecem das formas mais cruéis do não reconhecimento da diversidade e do pluralismo. E sob o olhar e a força do sujeito opressor se transformam em objeto da opressão.
Nas ciências humanas e sociais o estrago da epistemologia positivista veio a comprometer a busca de um outro método que validasse a relação sujeito-sujeito como ciência. O debate existe e continua, mas se mostra improdutivo diante do domínio do positivismo e a cômoda capitulação dos pesquisadores e cientistas dessa área.
Ora, diante da impossibilidade de se criar um método humanista, o correto seria romper com o método da ordem e se fazer imprescindível na humanidade. A razão é simples: as ciências humanas e sociais são ciências da gente e não ciências das coisas.
A razão instrumental que faz do método uma forma de bolo não pode se reproduzir nas ciências cujos estudos envolvem pessoas, gente, seres humanos. Se não tiver método, que se exploda o método imposto e se crie uma epistemologia da humanidade.
O positivismo foi imposto na medicina e na enfermagem e, com a insistência de alguns profissionais, não se tornou uma relação universal de sujeito-objeto. Médicos e enfermeiros desmoronaram diante de uma pandemia, ao ver seus semelhantes morrendo em suas mãos. Esses profissionais da ciência, no exercício da sua profissão, se envolvem emocionalmente com seus pacientes e sofrem com o sofrimento do outro, pois suas relações são de gente e não de coisas.
O mesmo acontece com outras ciências da área humana e social. Não é possível ignorar as subjetividades quando as relações envolvem seres humanos. Ela, a subjetividade, deve ser parte da construção epistemológica. O sentir pode e deve ser mais do que um verbo. Tem que compor uma nova forma de se fazer ciência.
Para a Amazônia, região que abriga mais de 200 povos, entre indígenas e quilombolas, o método das ciências da natureza coloca as mais de 28 milhões de pessoas que coexistem no urbano e na floresta numa condição precária de entendimento e compreensão.
Reconheço o trabalho dos cientistas sociais, antropólogos, sociólogos, jornalistas, filósofos, assistentes sociais, historiadores, arqueólogos , linguistas, pedagogos e muitos outros profissionais na preservação das identidades sociais e culturais, mas essa pauta ainda é rechaçada ou descuidada nas academias, governos e instituições científicas.
É preciso construir uma intervenção com olhar para a nossa gente, para todos esses povos, sem considerá-los objetos. Para isto, o olhar tem que partir de dentro e assim ser reconhecido na sua significância histórica.
Lúcio Carril
Sociólogo