*Lúcio Carril
Vem da Revolução Francesa os termos direita e esquerda, conforme era a ocupação dos assentos na Assembleia Nacional. Os partidários do rei ficavam na direita e os defensores da revolução, na esquerda.
O tempo passou e esquerda e direita ganharam significados. Não é possível conceituá-las, mas são carregadas de significação.
A esquerda se opõe ao status quo, ao regime autoritário das elites, à injustiça social, ao preconceito, à escravidão, ao racismo, à exploração massacrante do trabalhador.
À direita, estão as elites sociais e econômicas, os capitalistas exploradores, os escravocratas, os racistas, os propagadores de preconceitos, os misóginos, os homofóbicos, os defensores do sistema de opressão.
Em tempos recentes, uma horda de malfeitores e outra de ignorantes tentaram criar confusão através de informações falsas, atribuindo à esquerda tudo aquilo que enoja e envergonha a humanidade, como o nazismo e o fascismo.
Ora, nazistas e fascistas perseguiam comunistas, etnias judaicas, gays, deficientes, negros, etc. Uma prática construída pela direita no mundo. Na França, até hoje, a direita persegue imigrantes, principalmente aqueles oriundos do continente africano.
Pois bem. Não é dessa obviedade que quero falar. São outras coisas que me incomodam.
Se por um lado a esquerda se significou e construiu valores intrínsecos, por outro, vem perdendo força no campo das subjetividades.
Peço licença a uma corrente fundamental da esquerda, o marxismo, para lembrar que objetividade e subjetividade são faces de uma mesma moeda. O sujeito histórico e coletivo é construído pela ação humana, logo o indivíduo se torna imprescindível e nele devemos focar todo trabalho de transformação da sociedade.
O problema está aí. Muitos indivíduos de esquerda, que atuam no campo da esquerda, reproduzem os valores de subsistência do atual sistema de opressão, aquilo que a direita defende e por ele mata, violenta, oprime.
A esquerda está cheia de gente racista, misógina, preconceituosa, homofóbica, que é contra os povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, etc.
Essa gente, claro, não é de esquerda, mas vem se perpetuando e ganhando espaço num campo contrário à sua prática cotidiana e à sua consciência deformada.
O feminismo é de esquerda, mas o machista é de direita. Sua prática é de direita, porque oprime, violenta e mata a mulher. A esquerda é feminista e libertária.
A luta anti-racista é de esquerda, mas o racista é de direita, mesmo que se diga de esquerda
A luta contra o preconceito é da esquerda, mas a homofobia é uma prática de direita, mesmo que o homofóbico esteja filiado ou seja militante de um partido de esquerda.
Em síntese, ser de esquerda não é votar ou levantar a bandeira de um candidato ou líder de esquerda. É muito mais que isso.
Ser de esquerda é uma concepção de vida, na qual o sujeito deve incorporar a transformação da sociedade e do mundo a partir da sua própria transformação. É um exercício contínuo, mas deve ser perseguido por todos e todas que lutam por justiça social, igualdade, solidariedade, amor e fraternidade.
Se não for assim, só o discurso não atrai ninguém e será sempre uma enganação.
*Lúcio Carril
Sociólogo