A trágica cidade onde vivo

Caminho sóbrio tombando entre postes sem iluminação.

Piso no asfalto molhado e buracos famintos permanecem cheios de água.

O vigia dorme.

A criança agoniza sobre o papelão e sob jornais se protege da chuva que cai.

O apito toca silencioso nos ouvidos dos operários que dormem nos ônibus sonhando com bife a cavalo, batatas fritas e a sobremesa.

A cidade começa a arder sob nuvens carregadas.

Não amanhece; a lua cheia não é de sangue, mas o sangue corre agitado com os passos cansados da mulher que vai à padaria.

O menino caminha para escola e ouve, solitário, seu lamento pela falta de merenda escolar; mais um dia de fome, pensa.

O prefeito dorme na sua cobertura luxuosa e seu ronco é um discurso de barriga cheia.

O buraco do asfalto já saciou sua sede e aguarda faminto a primeira roda a ser consumida.

O lixo nas calçadas deixa escorrer o chorume que circula nas veias do corrupto.

Amanheceu. A noite não esconde mais a tristeza na escuridão.

Um novo dia. Um velho dia.

A vida não é tão nova nem tão velha. Ela segue sendo consumida pela melancolia.

A cidade pode ser melhor, mas nada será melhor se o povo ainda se lambuza, prazerosamente, com gosma que cai da boca dos ladrões.

Não tem um novo amanhecer. Tudo continua cinza, como numa tempestade de horror.

Ainda sonho com a aurora e com uma primavera de amor e ternura.

Lúcio Carril
Sociólogo

By Portal Arrasta pra cima

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