Por Carlos Santiago*
Quem detém o controle dos estudos e das descobertas científicas? Quem detém o mando do uso do saber científico? E quais as suas conexões sociais, políticas e econômicas? Os cientistas refletem sobre si, sobre os seus trabalhos e os resultados nas mortes de milhares pessoas e no clima do planeta? Essas e outras perguntas estão nas reflexões do sociólogo francês Edgar Morin.
Morin diz que vivemos numa época do progresso e triunfo do saber científico “com suas virtudes de verificação e de descoberta em relação a todos outros modos de conhecimentos”, sendo capaz de medir até o sol, decifrar a linguagem genética, além condução de naves espaciais no espaço bem distante da Terra.
Segundo ele, é bem diferente do século 17 em que os cientistas e filósofos eram amadores. Suas investigações eram marginalizadas e periféricas para os interesses da época. E que “hoje, a ciência tornou-se poderosa e maciça instituição no centro da sociedade”, financiada e controlada por interesses de estados e econômicos. Há uma espécie de inter-retroativo, interativo, envolvendo a ciência, a técnica, a sociedade e o Estado. Isso quer dizer que existem influências difusas.
É preciso, portanto, uma reflexão ética sobre controle e o uso das descobertas científicas. Na obra Ciência com Consciência (2010), Morin descreve a importância da ciência como causa das grandes conquistas tecnológicas e de conhecimento, mas traz um debate sobre a subjugação da ciência como meio capaz de ser utilizada para aniquilação da própria humanidade e de outros seres vivos, o que requer uma profunda reflexão sobre a ciência.
Para filósofo, alguns aspectos negativos do desenvolvimento científico são: o poder estabelecido pela ciência e pelos cientistas, que acaba sendo utilizado por instâncias poderosas, quase sempre para o mal e a manipulação; a superespecialização, enclausuramento ou fragmentação do saber; o desligamento das ciências da natureza das ciências do homem; um enorme distanciamento do aspecto biológico dos aspectos sociais, históricos e culturais; as ciências antropossociais foram contaminadas pela especialização; o aparecimento de especialista ignorante e de uma ciência com inconsciência.
Morin crítica também a ciência que tem como postulado a eliminação do sujeito observador, o cientista, uma ciência sem sujeito reflexivo de si mesmo, ficando a conduta do sujeito aos valores morais somente como tema restrito ao campo da filosofia. Isso levou o cientista à incapacidade de refletir sobre sua ciência. Por isso que os filósofos Adorno e Habermas descreveram que os saberes utilizáveis podem se tornar venenosos, quando desprovidos de reflexões, lembra Morin.
O olhar e o entendimento de condições tão complexas exigem um princípio complexo para explicar e “estabelecer comunicação entre aquilo que é distinguido: objeto e o meio ambiente, a coisa observada e o seu observador”, com o objetivo de o todo conhecer as partes e as partes conhecerem o todo, diz o francês Morin. Um pensamento capaz de traduzir a complexidade do real “e permitindo à ciência refletir sobre ela mesma”.
Portanto, Morin insiste na formulação de um novo método complexo e ético para entender a ciência, pois acredita que a ciência é social, é histórica, e cultural, não apenas tecnicista utilizada para o Poder estatal, econômico, e que seus efeitos são profundamente ambivalentes. E para despertar a complexidade da ciência é necessária uma mudança de paradigma a fim de que o cientista possa realizar a reflexão necessária de si mesmo e da ciência como fruto das suas reflexões e métodos, além dos impactos causados no mundo.
Sociólogo, Advogado e pós-graduado em Ciência Política.