José de Paiva Filho, um comunista da Amazônia

“A vida dos velhos sistemas nasceu de imensas teias de aranha medievais… Teias de aranha mais duras do que os ferros das máquinas… No entanto, há gente que acredita numa mudança, que tem posto em prática a mudança, que tem feito triunfar a mudança, que tem feito florescer a mudança… Caramba!… A primavera é inexorável!”

Os comunistas, Pablo Neruda

Paivinha foi um comunista de inspiração poética. Não uma poesia qualquer, mas aquela criada das sarjetas, do gosto do tucumã, do suor do trabalhador da zona franca de Manaus, da sensualidade e intrepidez da mulher amazônica.

José Paiva lutou para fazer florescer a mudança e desarrumar as “teias de aranha medievais” do capitalismo.

Início dos anos 80, participei de uma reunião histórica. Não somente eu, um adolescente, mas uma moçada de cabelos grandes e sonhos fumegantes. Era o primeiro encontro da nova geração de comunistas com os velhos “capas pretas” do partidão.

O PCB ainda vivia na clandestinidade. A reunião foi camuflada como um passeio de lazer. Saímos num barco da escadaria dos remédios rumo à praia do Brito, no Iranduba.

No barco, um regional de uns 10 metros, os velhos comunistas: Luiz Barros Santana, José Paiva Filho, Manuel Amâncio, Félix Valois, Belisário, José Maria Monteiro, Gaia Nina, Juca Moveleiro.

De uma geração intermediária, Guto Rodrigues, Xisto Filho, Rui Brito, Rita Furtado, Nestor Nascimento e outros que a memória não ajuda a lembrar.

Da nova geração, líderes estudantis: Lino Chíxaro, Ribamar Mitoso, Antônio Carlos Maciel, Mário Santana, Lúcio Carril, Sabá Raposo, Lúcia Cordeiro, João Brasil, Lizardo Paixão, Marinelson Barbosa, Ivon Lobato, Zé Maria, Orlando Farias, Hunsilca Amorim

O ano era 1983, dia 02 de novembro.

Porque ainda me lembro da data? Eu estava completando 18 anos.

Ainda dentro do barco, lembro de uma parada hilária.

Eu levei uma garrafa de cachaça na mochila, mas nós, os jovens comunistas, estávamos nervosos. Conhecer os “velhos” era um momento esperado há anos. Eu, por exemplo, já estava no partido desde 1980. Fiquei receoso de abrir a cachaça.

Mas como a viagem estava demorando, fui para a popa do barco e abri a bicha. Quando fui servir a primeira dose, chega o Luiz Santana, o sapateiro comunista, uma lenda viva, e diz: o que é isso, camarada? Eu amarelei. Em seguida, ele completa: vamos socializar essa pinga. Me dê logo uma dose. Ufa! Os “capas” também bebem.

E assim chegamos à praia do Brito e fizemos a reunião debaixo de uma samaumeira, a árvore sagrada da Amazônia.

Paivinha tinha uma serenidade que chamava a atenção de todos. Era um intelectual orgânico muito preparado. Entrou no PCB em 1959. Fez história no movimento estudantil e no partido integrou vários cargos de direção.

Ele tinha uma risada gostosa, grave, que sempre vinha acompanhada de um sútil “fela da puta”. Isto em momentos de descontração. Os “velhos” tinham muito respeito pelos fóruns partidários. Tudo era muito formal.

O tempo passou. O partido veio para a legalidade e José Paiva continuou na construção do partidão. Era um comunista imprescindível, daqueles de inspiração brechtiana:

Há homens que lutam um dia e são bons.
Há aqueles que lutam anos e são excelentes,
Mas há aqueles que lutam toda vida e estes são os imprescindíveis.

Paivinha foi assim. Ele nos deixou ontem, há três dias do aniversário do velho partidão, onde ele regou por décadas o sonho da revolução

Lúcio Carril
Sociólogo

By Portal Arrasta pra cima

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