Mutirão da DPE-AM resgata cidadania de indígena com documento cancelado

Dentro da Terra Indígena Andirá-Marau, agentes da Receita reverteram cancelamento de CPF que só poderia ser feito em Manaus, o que inviabilizaria que a regularização da situação de Manoel Oliveira, que não fala português e nem teria como se deslocar até a capital

Agentes da Receita Federal em Boa Vista (RR), Jucineide Ribeiro e Maria Antônia Araújo vivem a cerca de 830 quilômetros em linha reta da aldeia Vila Nova, na região do Alto Rio Marau, em Maués (AM), onde mora Manoel Batista de Oliveira, indígena da etnia Sateré-Mawé, de 50 anos de idade, que até encontrar as duas servidoras permanecia como invisível perante o Estado brasileiro.

Seu Manoel estava há vários anos com o seu Cadastro de Pessoa Física (CPF) cancelado e, se não fosse a presença das servidoras durante o mutirão de documentação coordenado pela Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM), realizado entre os dias 15 e 17 de abril em uma das comunidades da região, ele dificilmente teria sua cidadania resgatada, dada a dificuldade que seria para conseguir regularizar a situação da sua documentação.

Isso porque, primeiro, Manoel não fala português. Segundo, ele teria que sair da aldeia onde mora, há cerca de nove horas de barco da sede de Maués, e seguir até Manaus para provar que está vivo. “Ele não conseguira resolver isso em Maués porque lá não tem sede da Receita”, observou Jucineide Ribeiro.

“Eu estava com esse problema faz muito tempo. Agora, estou feliz, do fundo do meu coração. Estou chorando por dentro de alegria. Agradeço a todos”, disse Manoel – o mutirão contou com a ajuda de intérpretes voluntários.

Além do CPF, Manoel regularizou outros documentos durante a ação. “O seu Manoel foi primeiro resolver a situação da Certidão de Nascimento dele. Quando chegou até a equipe da Receita Federal aqui no mutirão, ele estava com uma situação em que o CPF dele estava cancelado por ofício, por procedimento interno, e nós conseguimos, com apoio do pessoal em Boa Vista, dar um primeiro passo para resgatar a cidadania dele”, disse Jucineide.

“Nós, como Receita Federal, estamos nos regozijando por ter resolvido uma coisa que seria muito difícil. O senhor Manoel teria que sair daqui, essa distância toda, para ir para Maués e depois Manaus. E como conseguiria? Seria bem difícil”, declarou Jucineide. “Eu digo, em nome da instituição, que já ganhamos toda nossa ação, já teria valido a pena só por ter resolvido o seu caso”, acrescentou a servidora, se dirigindo a Manoel.

“Nós estamos à disposição e sempre estaremos para resolver o que estiver ao nosso alcance”, disse a agente Maria Antônia Araújo.

Jucineide se emocionou ao entregar uma cópia impressa do CPF para Manoel. “Isso é muito amor, gratidão. A viagem não é fácil, a logística para vir de Boa Vista até aqui é desafiadora, mas estamos à disposição”, disse. “Quando ele disse que estava chorando por dentro, aquilo me pegou muito”, acrescentou ela, que, com ajuda de um dos tradutores, orientou Manoel para cuidar bem do documento, se possível plastificar, e ainda providenciou uma pasta para que ele pudesse guardar as novas documentações de forma segura.

Ao todo, a Receita Federal realizou 414 atendimentos durante o mutirão“Mo’yha Aikawiano Hanuat Ko’i Pyt’awa Hap – Acesso a Direitos”, na comunidade indígena Nossa Senhora de Nazaré, na região do Alto Marau, dentro da Terra Indígena Andirá-Marau. Ao longo de três dias, mais dois mil atendimentos foram realizados pelo mutirão.

Sobre o mutirão
A ação com oferta de serviços de documentação civil para a população Sateré Mawé foi coordenada pela Defensoria Pública DPE-AM e contou com a parceria de diversas instituições.

“Durante o mutirão, atendemos famílias inteiras sem qualquer documentação civil, muitas das quais moram em comunidades localizadas a mais de um dia de viagem de barco até a sede do município. Isso apenas confirma a importância da realização de mutirões estratégicos como esse, com a presença de todas as instituições da rede de proteção, identificação e Justiça na busca por minimizar o sub-registro entre os indígenas e membros de comunidades tradicionais, os quais, além das dificuldades de locomoção e acesso às cidades, seja pela distância ou pelo custo do deslocamento, também se deparam com outras barreiras, como a linguística. Nesse sentido, o Estado deve adequar seus procedimentos para garantir direitos, respeitando as diversidades desses povos”, afirmou a defensora pública Daniele Fernandes, coordenadora do mutirão.

A DPE-AM realizou a triagem e encaminhou os assistidos aos serviços que eles necessitavam na sequência ideal para retirarem ou retificarem a maior quantidade de documentos possível. Ao todo, 1.012 pessoas passaram pela triagem para acessar os serviços.

Os atendimentos específicos somaram 2.112. Os serviços ofertados foram de emissão e retificação de Certidão de Nascimento, registro de nascimento tardio, registro de óbito tardio, emissão de Carteira de Identidade Nacional (CIN, antigo RG), CPF e Título de Eleitor. Também foram ofertados a alteração do local de votação e o registro no CadÚnico para obtenção do Bolsa Família.

O mutirão de atendimentos teve como parceiros: a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), as secretarias estaduais de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc) e de Segurança Pública (SSP-AM), a Secretaria Municipal de Assistência Social de Maués (Semas), Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (TJAM), Associação Puratig dos Indígenas Sateré Mawé do Município de Maués (APISMMM), Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE-AM), Ministério Público do Estado do Amazonas (MPAM), Cartório Andrade, Receita Federal do Brasil (RFB), Distrito Especial Indígena Parintins (DSEI/PIN), Associação de Tuxauas dos Rios Urupadi, Miriti e Manjuru (Tumupe) e Casa de Saúde Indígena (Casai).

By Portal Arrasta pra cima

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